Resumo

O Programa Bolsa Família (PBF), criado em 2003, é um programa nacional de transferência condicionada de renda destinado a famílias pobres. Cabe às famílias beneficiárias manter crianças e adolescentes na escola e também estar vinculadas aos serviços de saúde para acompanhamento de crianças, gestantes e nutrizes. Em caso de descumprimento destas obrigatoriedades, as famílias devem ser desligadas do Programa. A exigência de condicionalidade é central no desenho do PBF e tem sido alvo de polêmica porque tende a ressignificar a concepção clássica de direito social. No entanto, no desenho do PBF a condicionalidade é considerada estratégica para ampliar o acesso da população pobre aos serviços sociais e articular ações emergenciais e estruturais. Este trabalho analisa o processo de implementação das condicionalidades do PBF no setor saúde, buscando compreender em que medida este Programa tem potencial de ampliar o acesso aos serviços, questão tão cara ao Projeto de Reforma Sanitária. Trata-se de estudo de caso, realizado no município de Niterói–RJ, com enfoque metodológico qualitativo para o qual foram realizadas 39 entrevistas semi-estruturadas, no período 2006-2008, com gestores e profissionais de saúde diretamente envolvidos na operacionalização do PBF. Foram selecionadas unidades de atenção básica de saúde, envolvendo os Módulos do Programa Médico de Família (PMF), Unidades Básicas e Policlínicas. Os resultados mostram que o município tem uma rede de saúde bem estruturada, mas apresenta baixa taxa de acompanhamento das condicionalidades (47% em 2008), sendo que 70% deste total representa a cobertura realizada pelo PMF. O PMF, ao contrário das unidades da 'rede', apresenta condições mais favoráveis ao acompanhamento das condicionalidades em razão do vínculo com as famílias.A implementação das condicionalidades do PBF não representou aumento de demanda para o setor saúde em Niterói e não houve captação de famílias com trajetória anterior de exclusão dos serviços. Mas, as condicionalidades tem favorecido o acolhimento no interior da rede convencional – via captação de hipertensos e diabéticos em famílias beneficiárias – o que vem contribuindo para aumentar o poder de utilização dessa parcela da população. Desenvolve-se assim sensibilidade para intervir sobre a unidade familiar e não apenas sobre grupos específicos, conforme tradição da saúde pública. A operacionalização das condicionalidades do PBF reforça o debate sobre a integralidade da atenção em saúde.